segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Autos conclusos ao juiz: serenata à burocracia.



B. fora convocado a prestar uma diligência. Ele sabe que seu salário não vale o desgaste, mas nada pode fazer contra as ordens de cima. Dessa forma, chega B. a uma encruzilhada: continuar com sua triste expressão de angústia no rosto ou reprimi-la para poder atuar no tribunal. Resolve pela segunda, pois sabe muito bem que no fim das contas o que garante seu mísero salário são os muitos, mas muito pouco importantes, resultados os quais vem alcançando a longo de sua carreira - ressalte-se, B. era um advogado. Assim, já completamente afastados os sentimentos que lhe eram iminentes, encontrara-se defronte do portal da "justiça", aonde deveria dirigir-se a uma determinada vara e prosseguir com suas técnicas de enfadonha oratória e lúdica paciência. Entrou de uma vez no fórum, seu terno muito bem tratado, seu colarinho engomado como nenhum outro, sua camisa devidamente ensacada e sem quaisquer sinais de desgaste, seus sapatos engraxados e polidos, seu relógio escondido ao bolso, donde só saltava uma corrente a qual se prendia à algibeira, lenço em dobra tripla no bolso do paletó e cabelos penteados para o lado, dividindo-se ao canto de 3/4.

B.: Bom dia, Senhor... Será que o Sr. pode me ajudar?
FUNCIONÁRIO: Me diga o número do processo.
B.: XXXXXXX-XX.XXXX.X.XX.XXXX.
                                                                   (O funcionário volta-se ao computador)
FUNCIONÁRIO: Ele está concluso ao juiz.
B.: Isso! Justamente... É por isso que eu vim aqui. Ele está concluso desde o ano passado e gostaria de saber o que pode ser feito.
FUNCIONÁRIO: Hum... Deixe-me chamar o chefe de secretaria.
                                                                                                   (retira-se do atendimento)
CHEFE DE SECRETARIA: pois não?
B.: Tudo bem, meu caro? Apenas gostaria de saber se este processo poderia ser encaminhado ao juiz como prioridade, pois já está concluso a mais de um ano e trata-se de algo tão simples...
CHEFE DE SECRETARIA: ele já se encontra no gabinete... Vou chamar o assessor.
                                                                                                                        (entra em uma porta à direita)
ASSESSOR: Tudo bem, Doutor?
B.: Tudo bem, obrigado. Pois é... Este processo está concluso desde o ano passado; tem alguma coisa que possa ser feita?
ASSESSOR: Doutor, é o seguinte, o Juiz entende que os processos que estão aqui desde o ano retrasado têm prioridade para análise, portanto, se o Dr. pode compreender, e para bem cumprir com a meta, é preciso que os processos esperem na fila.
B.: Mas, meu amigo, é algo tão simples, tão evidentemente simples...
ASSESSOR: Eu não duvido do que o Doutor diz, mas são as ordens do Juiz...
B.: O juiz está?
ASSESSOR: Ele está de férias.

2 comentários:

  1. E mais uma vez , eis que nos deparamos com "la maison qui rend fou"

    "Ele sabe que seu salário não vale o desgaste, mas nada pode fazer contra as ordens de cima. Dessa forma, chega B. a uma encruzilhada: continuar com sua triste expressão de angústia no rosto ou reprimi-la para poder atuar no tribunal."

    Muito bom Bruno!
    abração

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  2. Eis a grande e irreparável encruzilhada...

    Valeu, Caio!

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