domingo, 14 de setembro de 2014

Θάνατος

KLEVER, julius von. Der Erlkönig, 1887.


Porque é a morte quem sempre vem. É a morte quem [sempre] devora; e, através do sótão da nadidade, nos lança (a todos) no esquecimento. A morte não é um lugar, mas a carência de um: Θάνατος.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Requiem pro defunctis

GHEYN, Jacques de. Vanitas Still Life, 1603

[Recomenda-se seja lido em conjunto com "Tumba Mirum" de Alfred Schnittke, 3'52'']

Decepam-me as mãos: Ah! estes dedos finos que me olham. Caídos em medonho fogaréu, sisudos e melancólicos, esgueiram-se em apontar que a mim já não pertencem. E mesmo quando já tão esbeatados, largados ali em solo quente, vejo-os vivos e encaram-me tristonhos; olhar lacônico daqueles que a fala não dominam. Apontam-se a mim e eu a eles, por meio de meu grito agudo, pois a falta que eu sinto também eles a sentem - fôramos tão próximos outrora... Agora, ligados apenas pelo sangue empoçado, apontam-me todo o meu estar deles carente. E não que eu não possa tê-los, tanto é que para a minha consciência ainda os tenho e encaro-os como produto de futura atividade cadavérica. Pois é certo, amigo leitor, que esta carta que tens presa às suas garras, é fruto de fantasmagorias: o necromante que a escreveu tirou de minhas decepadas partes o fruto dessas palavras lidas e desdenho-me em vida a própria morte, que ocorreu. Mas passados instantes de um grito, contido a lábios presos entre os dentes, o sangue, aquele que empoçado estava, foi o garante da magia, cuja atividade espúria lançara um feitiço contra o tempo e permitiu que os mutilados membros, que olharam-me tão vivamente, produzissem ainda tal efeito que é hoje impossível dizer que dia é ou que horas são. Estou preso em um momento muito específico de minha vida e fustigo os meus pensamentos com lamúrias; estou preso em minha morte, quer dizer, no momento em que ela se deu. Essa é a tamanha angústia que os braços, as roupas, os beiços, os olhos e tudo o mais desse desgraçado desse mago me presentearam. Preso! Livre da morte, é claro, mas preso em minha consciência. E ainda por cima obrigado a escrever por meus punhos inexistentes! Amaldiçoo o dia em que fui obrigado a desejar. Obrigado, eu? Eu o quis! Agradeço por ter ainda para mim esse momento de prazer eterno! Vejo todos os dias o escarlate do meu éter venenoso, gosmento e antigo, e pasmem vocês, meus leitores nefastos, eu gosto disso! Sou obrigado a reviver cada instante de minha morte; e como isso é proveitoso. Aliás, é como olhar em mim mesmo o que a mim me falta. É o ápice de mim mesmo! Isso, o ápice de mim mesmo!