segunda-feira, 30 de setembro de 2013

ζωή

VAN GOGH, Vincent. Noite estrelada sobbre o Ródano, 1888.

[recomenda-se seja lido conjuntamente com "Gnossienne n. 1" de Erik Satie]


[prólogo - um axioma banal]

Você sabe quando uma pessoa está louca - ou quando tende à loucura - apenas em nela depositar o seu olhar (e ouvir dela as suas primeiras palavras)...

[colocação do problema - Léo e a loucura]

Léo estava deitado na areia e era um fim de tarde, mas várias reflexões assolavam-no enquanto assistia ao cair do sol atrás de si. Bem, não era ele quem estava louco, muito embora isto fosse possível, mas a loucura de todos era o que lhe batia com força na porta da inquietação! Claro que com estes pensamentos, sendo ele também um "mundano" - por estar junto a todos no mundo -, ele começara a refletir sobre sua loucura; mas este é um texto para outro dia ou talvez para nunca mais. Para Léo, neste momento, só importava saber como era fácil reconhecer um louco; e, por que não, como era fácil ser um... Bastava um olhar e poucas palavras; mas será que só isto? O que é que estava nisso contido? Talvez isto fosse o mais premente... Quiçá até o momento necessário para identificar um ou o outro caso.

[entreato - um axioma incomum]

Pois é no escuro que surgem os devaneios (ao menos é aí quando surgem os bons)!

[solução aporética - Léo e o fim da tarde]

Mas ele ainda deitado na areia e pouco a pouco aparecia a noite, ao substituir seu filho, o dia. Por exemplo, quando se fecham os olhos, ao se contemplar o fato de não ver, começa imediatamente uma cadeia de rememorações e criações espectrais (no que for possível falar em 'espectros' ou coisas semelhantes); e, então o mais escuro dos pensamentos surge como algo absurdo; mas logo após torna-se aceitável e, por fim, uma verdade (algo legal e colorido, como pensava Léo). E foi quando os últimos raios de Hélio, filho de Hyperion e irmão de Aurora celeste tocou os mantos do horizonte; foi aí que Léo levantou... Ele ainda não era destemido o bastante para saber enfrentar suas horas escuras em um lugar tão indomável como a natureza artificialmente planejada de uma praia de veraneio. Pois, apesar de ter sua casa tão próxima e de reconhecer que ao fechar os olhos fica tudo negro e sem "forma", ele pensara quão reconfortante seria poder abri-los e tudo ainda lá estar.

[posfácio - ζωή]

E, assim, não só largou na praia, ao prazer de Pontos, a sua dúvida sobre a loucura, como conquistou para o mundo o status de 'louco'.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O esvair-se do claro

BEKSIŃSKI, Zdzisław, 1983.
[sugere-se seja lido em conjunto com "Deshominisation" de Alain Goraguer.]


[Prelúdio]

Oh! Estes pensamentos das horas escuras... Conheço-os bem; malogro quando não... Findo o vespertino que, diante das portas da noite, jamais!

[Primeiro ato - um cravo e uma flauta doce]

Ao fundo uma flauta entorta o ar e me lança em prazer... Ou não seria isso complacência? O cravo marca o meu badalar e lanço-me outra vez em horas escuras; eu, este; eu o balouço de meu eu, isto. Pensando sobre mim como algo distante. Lançado, sem mais, com(o) a profundidade de um lago gelado, longe e coberto por montanhas, em todas as minhas (tão minhas!) horas escuras!

/hic clausula est/

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Vermelho (necessariamente em...)

MUNCH, Edvard. Love and pain (1893-94)

[Sugere-se que a leitura seja acompanhada de "Epei" (1976) de Iannis Xenakis]

Tem certeza, pequena; em algum momento o sangue ainda abrirá as tuas mãos em cor e férreo cheiro - e, embora não sintas dor, sofrerás uma das maiores agonias... Pois esta raiva que tiveste não a tempo contiveste e o vermelho em teus nódulos são daquele corpo inerte - que a frente se te projeta. E sim, pequena, assumirás a culpa - se não com a palavra, com o silêncio e a eternidade da loucura. Tu que sempre comedida e asseada foste, não passas de um fruto podre - pelo qual vermes amarelados dão o tom de tua doença. E padeces, com certeza; isto não negam os demais: padeces irascível de tua tão grande ira. Morreu aquela doce imagem - que agora tão só simulas; és um ponto de ti mesma, mas bem não mais te reconheces. Viva e presa neste sangue que escorre de teus punhos.