segunda-feira, 18 de abril de 2011

Desejos (ou "Necessariamente em língua poética")


La soledad es la soledad. Todo lo que penso ahora es en la muerte de mis sentidos. Pero la poesia, esta sí, es la única que por todos sus modos persiste sólo en la soledad. Si no me llega un logro, tan pronto estoy perdido; y, entonces, sufro embarazado de transmundanos y pintorescos deseos. Hoy es el día de toda la súper(in)consciencia: dame de tu boca y viva de mis manos. Tu es escritura.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Meth / Emeth


Fome.
Jejum da fome.
Fome da Solidão.
Solidão da solidão.
Jejum da Solidão.
Fome do Jejum.
Solidão.

E assim – como esses versos – vai-se seguindo o decurso. Vão sendo passados pés na frente de pés, e um atrás do outro. "Von Hungertag zu Hungertag"[1], alimenta-se a angústia por uma hora a mais de silêncio. E o sonho, que nunca será, jamais deixará de ser a realidade. Acolham-se os fantasmas; hoje, a noite, como sujeito, é quem se diverte.


[1] Kafka, F. Ein Hungerkünstler. In: Kafka, F. Das Urteil: und andere Erzählungen. Köln: Anaconda, 2008. p. 149. Tradução livre: “De dia-de-fome em dia-de-fome”.

domingo, 10 de abril de 2011

Über Kafka: repressão, direito e burocracia.



B. não ocupava o mais alto cargo dentro do tribunal. Ele era antes de mais nada, e isso é importante frisar, apenas um funcionário. Mas era um funcionário, e era muito importante. Mas não o mais importante, o que fazia com que ele fosse apenas um funcionário, nada mais. Todos os dias, B. Chegava ao tribunal ao meio-dia em ponto; não hoje, pois ele atrasara-se, tendo chegado às 12:46. Isto não era habitual, mas ele começou a pensar que poderia ser, tendo em vista que nenhum de seus colegas havia chegado a esta hora. 

Como ele sempre chegara cedo e começava a trabalhar tão logo chegasse, nunca havia observado todo aquele silêncio, não fosse por seus passos, sua respiração e aquela outra funcionária que vivia cantarolando certas coisas sem sentido enquanto o olhava pelo canto dos olhos. Mas quem era aquela funcionária? Na verdade, não importava. Ela, ao contrário, pensava diferente; e tendo visto que B. a observava pulou de sua cadeira com muita diligência e veio arrastando-se até onde ele estava. Disse-lhe, então: "A peça não está pronta."Já eram 12:50.

Passaram-se 15, 30, 45 minutos e ele estava ficando impaciente de contar quantas casas havia à vista pela janela, pois na verdade, como não haviam muitas, ele simplesmente continuava contando as mesmas como se fossem outras. Ele dirige-se àquela funcionária e pergunta se a peça está pronta. Ela, como se nunca tivera com ele falado:  "não sei do que se trata." B., perplexo, exclama: "quando eu cheguei não havia ninguém, agora que há, a Sr.ª não quer falar comigo. Pensava que a Sr.ª fosse apenas uma funcionária, mas vejo que é algo a mais. Na verdade, talvez nem seja, mas penso que é e isso me acalma. Pois quando eu nada sabia a Sr.ª provocou-me este assunto da petição e agora já passou-se uma hora e nada da peça." "A questão", pronunciou a funcionária enquanto passava as mãos no peito de B., "é que ainda não foi encontrada a guia do pagamento."

B., então, procurara vários funcionários, todos, de qualquer forma, de menor escalão que ele, mas sem sucesso. Até que, ao voltar à sua sala, já desesperado, embora mantivesse a calma e não soubesse qual o motivo de ter pressa - afinal, estava em um tribunal, pensara - encontrara em cima da mesa a guia paga e a petição pronta e assinada. Abrira a porta e olhara para aquela mulher que chamava-o com os olhos (e aquela boca). Ele fora e ela começara a sussurrar-lhe ao ouvido. Estava então embaixo da mesa; sua pele muito próxima à dela. Enquanto ela torturava-o com aquele deslizar-se, ele pensava em seu trabalho; mas acabou em um ritmo ofegante. Ela então, ainda suada e semi nua mostrara-lhe uma cicatriz no ventre, o que fez B. morrer de ódio e nojo daquele ser que, agora, pensara não saber quem era. Ele levantou-se e saiu daquele lugar, sem dizer uma só palavra.

Perdido, tendo a guia e a petição em suas mãos, saiu de seu andar, tendo subido uma tortuosa escada, cujo fim parecia jamais chegar. Alcançando, porém, o andar pretendido, ele questionara outro funcionário, que por sua estatura e aparência devia ter uma posição muito mais baixa que a sua, não obstante, fosse respeitável, com as seguintes palavras: "onde consigo as cópias, pois já tenho em mãos a guia de pagamento quitada e a petição." O funcionário, andando várias vezes ao seu redor, olha-o cheio de confusão, mas indica exatamente o setor de protocolo e a biblioteca, onde deveria pegar as pretendidas cópias. Já eram 14:02.

Daí, B., seguindo o que lhe dissera aquele vetusto funcionário, chega ao protocolo, mas lembra-se que deve primeiramente ir à biblioteca. às 14:05, chega à biblioteca e pede as cópias. Ao olhar em volta vê várias pessoas, todas com processos abertos nas mesas e canetas nas mãos. Percebe que aqueles deviam fazer o trabalho de copiar os documentos. Entendeu que deveria pagar uma nova guia, e teve a anuência da bibliotecária, pois esta disse-lhe: "toda guia deve ser paga no instante do procedimento da cópia, e, como o Sr. pode ver, a sua já foi paga às 12:40. Além do mais, as cópias já ficaram prontas a muito tempo, o que nos fez jogá-las fora e começar uma nova, tudo pela defesa da sociedade e da burocracia, que nos dá vida - e faz-nos viver por ela."

B. não teve dúvida, saiu da sala às pressas e correu ao banco que ficava no seu andar. Após enfrentar a fila e pagar o novo boleto, retornara à biblioteca às 14:46. Porém desta vez pensou que talvez aquelas cópias ainda não estivessem prontas, o que o forçou a voltar à sua sala. Às 15:01 sobe o lance de escadas e chega àquela sala cheia de escribas, todos tão atarefados que permaneciam sem um movimento, não fossem os seus braços - que funcionavam como máquinas, um escrevendo e outro virando as páginas. Pergunta pelas cópias e a mulher, aquela bibliotecária empoeirada, entrega-lhe, mas sem tirar B. de seus olhos. B. pensa que aquele deve ser um lugar muito perigoso e volta à sua sala.

Quando o relógio mostrava 16:17, sabendo não mais poder evitar e tendo lido mais de uma vez as cópias que pegara, sobe novamente as escadas, com a peça em mãos e segue para a sala do protocolo. Fala a um funcionário, mas este não lhe dá muita atenção, apenas estendendo a mão para pegar a petição, sem tirar os olhos de algum ponto fixo, cujo local exato B. não conseguira identificar. Já carimbada a sua via, segue ao gabinete do Desembargador, onde deveria ver um processo para tirar cópia de uma petição.

Chegando lá, às 17:33, e sentindo um ambiente muito mais sólido e grave do que qualquer outro, fala com um estagiário: "Na verdade, preciso ver o processo para identificar qual é a petição que devo tirar cópia." O funcionário entendera o problema, mas, talvez por má vontade, pois B. não se apresentara, pediu que aguardasse. Após 15 minutos, volta com o processo em mãos, mas antes de entregá-lo chama por sua superior. Imediatamente surge uma mulher enorme, com cabelos penteados e lábios pintados, terno cinza bem tratado e sapatos de bico fino e salto. Ela dirige-se a B. como uma cobra à presa e enroscando-o em suas presas, pergunta: "O que o Sr. deseja e quem é o Sr?" "Eu preciso olhar o processo para identificar o que deve ser copiado, e, quanto a sua segunda pergunta, não vejo importância em respondê-la." "Mas ela é primordial, pois este processo é de extrema importância. De qualquer forma, vamos esquecer deste assunto. Apenas me diga por que o Sr. deseja ver o processo, pois vejo que o Sr. é um alto funcionário, embora não seja o mais alto." B, sem saída, diz não saber, impressionando aquela figura imensa. Mas, ao contrário do que esperado, ela dá-lhe sua permissão.

B. olha várias e várias vezes, mas sempre que pensa ter achado alguma coisa e dirige à Secretária a sua indignação por não entender o que se passa no processo, tem-no retirado de suas mãos e analisado brevemente por aqueles olhos estreitos e calejados pelo tempo. B. não aguenta mais, já eram 18:40 e ele não tivera nenhum resultado. Pensa que já fora suficiente e, de fato, externa sua opinião à Secretária, a qual, cheia de constrangimento na voz, exalta: "Mas não deves esquecer, primeiro o trabalho, sempre o trabalho! Não importa mais nada! Não desobedeça! Por mais difícil que seja seguir toda a sistemática, e sei que não é nada difícil, o Sr. deve continuar até que chegue ao fim, nem que isto leve a sua vida inteira e ainda que nunca consigas viver fora de tudo isto e além disto!" B., consternado, balança a cabeça e segue sua pesquisa.

terça-feira, 5 de abril de 2011

La Cigarette


Deitada no divã, Lourdes vira rapidamente a cabeça para Otto, seu psicanalista. Olha por um tempo apenas para o pé de sua linda poltrona prostrada sobre o estofado azul e volta a olhar para cima... Caiam algumas lágrimas de seus olhos ao passo em que ela refletia sobre a necessidade de ter de falar.

Otto, pacientemente espera passar aquele pequeno momento de euforia e perplexidade apenas acendendo uma cigarrette - até porque, sendo muito sincero consigo, de que importava falar alguma coisa para aquela tola? Assim, passaram-se 15 minutos e o olhar de Lourdes ainda estava no teto, na verdade ela contava todas as aranhas naquele lugar frio e úmido.

Otto então levanta-se de sua linda cadeira, em madeira escura como nenhuma outra, e dirige-se ao outro divã. Neste momento, Lourdes encontrava-se estirada, tal qual uma flecha, mas de repente já não mais assim estava. Otto sentou-se ao longo daquele confortável móvel, limpou a poeira com as mãos várias e várias vezes, até sua pele ficar vermelha e irritadiça. Deitou-se, então.

Lourdes colocou os óculos, sentou-se na cadeira - e aí já não mais carregava as lágrimas, mas um certo tom de perversidade... lembrara-se de Wolfgang, seu companheiro. Olhou aquele sujeito infeliz, infantilmente começando um movimento côncavo até atingir a posição fetal. Neste momento, o fumo de Otto já tinha chegado na piteira e seus olhos estavam fechados, ao passo que seu rosto estava lívido.

Lourdes, estirando o braço e apontando com o dedo, proclama em tom profético, majestoso: bem aventurados aqueles que amam na cama, pois um dia será deles um filho e rei dos céus; bem aventurados aqueles que olvidam, pois suas culpas passearam junto ao reino dos mortos; bem aventurados aqueles que se entregam, pois, antes de ser só, serão com alguém no reino da carne.

domingo, 3 de abril de 2011

Sentimentos: uma visão heraclitiana


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Personagens do monólogo

Marcos
Le Coeur
Angústia

Cena: de frente para um espelho. Marcos terminara de assistir um filme cujo ator principal é Ricardo Darín. Há duas sombras sob a luz, uma é o Coeur e a outra a Angústia.
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Marcos olhando-se começa a falar:

Não faço idéia do que houve. Em algum momento deixei de ser gente. Já não é fácil sucederem-me sentimentos - e de quaisquer espécies -, pois parece que ante um nevoeiro me encontro e não vejo mais que minhas mãos. O mais estranho de toda esta relação é a quantidade de vezes que me coloco a repetir du coeur; muito embora, à medida em que as palavras retraídas dos sentimentos voam na forma de pensamentos, mais distantes do meu eu ficam suas substâncias; Do próprio coração...

É muito fácil mostrá-las, falá-las, representá-las - mas é claro! representá-las, de fato! Isto não passa de um teatro e eu sou o maior de todos os palhaços. Me escondo atrás de minhas performances e esqueço de meus sentimentos. Mesmo a angústia, como grande companheira, me dá esse traje escuro, que eu faço questão de disfarçar em vermelho. Se me pego a sentir, e me vem alguma vontade incontrolável de chorar, tento aumentá-la; mas como os contrários são a norma do consciente, vejo-me a racionalizar o que me sucede e permaneço frio por dentro, conquanto vermelho por fora.

A todos os momentos imagino um amor perfeito, sem perceber - apenas nesse pequeno momento da imaginação? - que já o tenho. Mas como já não o sinto, esqueço de notá-lo e continuo o meu caminho tendendo a mudar tudo o que me vem. Os asnos preferem a palha ao ouro, disse o filósofo; eu prefiro me esconder e ser asno a ser, realmente, o próprio asno, ou mesmo ser gente, como bem deveria. Na verdade, o grande prêmio me espera no dia do meu confrontamento, pois até lá, o império do não-eu sobre o talvez-seja irá privar-me do coeur, deixando-me ou apenas a palavra ou o espectro de tudo o que, para me apaziguar, me angustia.