segunda-feira, 30 de maio de 2011

Imagens: entre Puy e Picasso, uma menina


Era uma vez uma menina e seus olhos em azul escarlate. O preto de seus cabelos louros balouçavam no quarto sem vento enquanto sua pele tocava em mim através do espelho. Eu era dois com uma delas e ela duas com dois de mim e eu amava isso... No quarto das lembranças impossíveis, pois intransponíveis pelo gelo do tempo, o existir em mim passou a ser nela e o dela em mim, se bem que eu queria que não fosse assim. Mas surge um broto de luz a partir do clarão da árvore torta que nos faz pensar em sair; saímos voltando a si. Que bom... que bom disse ela pra mim. E eu em fiapos de gordos pedaços do que outrora fora, me fiz diferente, só por ela, sempre assim... sempre assim! No que eu for diferente, serei EU mais que já fui, pois por ela notei, como ela notou que dois é melhor do que um, apenas quando dois são três, três são cinco e ao infinito!


quinta-feira, 26 de maio de 2011

Assim falou o sistema: um livro para todos seguirem mais


Muito embora esta idéia já esteja um pouco ultrapassada por (já) novas correntes de pensamento, que como correnteza vêm levando todo o substrato indesejado, o direito ainda guarda uma certa via de metafísica. Isto ocorre no sentido de que mesmo no mais desvelado sistema legalista positivista - inclusive nos pós-positivismos - a idéia de um contorno imutável é sempre presente. Assim, podemos dizer com certeza, e clara e distintamente (tomando a via de Descartes - "clare & distincte"), o sistema pressupõe certas coisas como imutáveis e outras como nem tanto, ou seja, mutáveis. À primeira vista pode parecer que aqui se fala ainda de um direito natural ao que se entende no rigor moderno, e, mesmo quando contemporâneo, como em Habermas, algo como contendo certo retorno ao naturalismo (ainda que ele rejeite esta idéia em seu o pensamento pós-metafísico), mas, em realidade, o que se quer dizer, trazendo o debate para o que se compreende hoje como sistema, é que há um pressuposto velado de permanência, sendo dinâmico apenas o seu miolo menos estruturante.

Falou-se em outro texto na idéia de uma moldura do direito[1], e, assim, seguindo o raciocínio acima, dir-se-á à moda de Kelsen que o propriamente jurídico mantém seu sistema (estrutura), mudando apenas seu caráter material (normativo) no tempo. Isto preenche o pressuposto susomencionado. Assim, tudo o que é "imutável" construirá a base do jurídico: formam a cara específica do sistema (isto é, do direito em si) e, por conseguinte, do que lhe é próprio. E ainda, seguindo este filão, a parte "mutável" não deve funcionar como um jogo de lego, num monta e desmonta a bel prazer e a todo o tempo: isto levaria, sem dúvida alguma - e partindo deste pressuposto, que se alicerça inclusive, no poder de polícia, na vigilância e no controle (do que se deduz de Foucault) - à múltipla falência funcional dos orgãos do ser jurídico. É, obviamente, a idéia de que o sistema funciona no tempo e com o tempo, e, ainda, de forma altera, mas contida em si: uma espécie de self psicológico, mas com um quê de ego sobressalente – claramente uma contradição, pois se o sentido de self induz a relação “si próprio e o outro”, o ego afirma o si isoladamente; no primeiro sentido há um paradigma do social, já no último o sentido do (meta) individual imanentemente transcendente como único e o mesmo.

Este pressuposto, portanto, é tomado genericamente (algemeine) pelo sistema como verdade e interiorizado pelos doutrinadores e ensaístas da dogmática jurídica na cultura tanto teorética (das universidades) quanto da práxis (na burocracia dos tribunais). Perceba-se, é um modo de imposição que corrobora à supressão do diálogo da questão tanto da alteridade quanto da relativização deste pressuposto quanto à alteridade. E, aqui, a maior questão é: como um sistema impositivo através de sua dogmaticidade e supressão do debate das estruturas primeiras, a ordem manda calar o que não for necessariamente e diretamente interessante, mesmo partindo-se de uma teoria dos sistemas como em Teubner e Luhmann, e vandaliza o vandalismo, isto é, exclui a possibilidade de se repensar as bases, tomando-as como realidade em condição sine qua non, e parte da premissa de que apenas os paleativos são discutíveis. Assim, fica novamente a idéia do quadro, desta vez um pouco mais explorada e ampliada, onde a relação realidade-fantasia atesta o pressuposto trazido pela tradição e fantasia-fantasia incorpora a crítica ao fato convencionalista mesmo do sistema:


Por fim, muito embora se reconheça não ser de boa técnica terminar com uma citação, e tendo em vista que todas as conclusões já foram dadas, cabe ressaltar um trecho de Luhmann sobre o sistema: “Mesmo os modelos Input/Output admitem que em um sistema a sua própria saída pode ser utilizada como entrada.[2]



[2] Original: “Schon die Input/Output-Modelle hatten zugelassen, dass sein System seinen eigenen Output als Input verwenden kann.

domingo, 15 de maio de 2011

A história de um quadro: ou num menino há um menino.


O quadro encontra-se acima da cabeceira, ao lado da cama e próximo à janela. Nele existe pintado um garoto em tom de pele claro. O menino está de certo modo que apenas o seu rosto pode aparecer junto com um pequeníssimo pedaço de seu pescoço ao canto inferior direito de quem o olha, simbolizando o pedaço superior esquerdo do referido pescoço. Abaixo de si uma mesa vermelha, em cor viva e lúcida, sobre a qual uma pêra alaranjada projetando sua sobra ao lado contrário ao do garoto altera o rubro-sague em rubro-velho. Esta tábua esconde o seu queixo, o que nos faz apenas poder imaginar.

Atrás aparece uma região de montanhas em tons azuis, já o gramado antes delas é verde, mas um pouco desbotado, como tudo que não deveria estar imediatamente no cerne. O céu, que começa logo acima das cordilheiras em luz quase branca, vai escurecendo até assumir um tom celestial. Entre o rosto da criança e a paisagem ao fundo, uma evanescente mistura que realiza uma espécie de fraca simbiose, mais como o efeito de quem tem astigmatismo que qualquer outra coisa.

Seus olhos são escuros, castanhos, e enormes, como querendo apropriar-se de tudo o que vislumbra a sua frente. Em seu nariz, muito afilado, corre uma pequena linha clara, dá-se um espaço e termina com um ponto logo na região de ponta, desenhando algo que parece uma exclamação: isto é o efeito da luz em sua pele. Sua boca está quase em bico, mas não muito contraída, o que representa certa serenidade. Seu cabelo, muito liso, é levemente dividido no meio, mas escondido no cume por um belo panamá ora bege ora rosa: mas sempre com a fita preta acima da aba.

A contemplação que parece estar o infante é antes de tudo por saber que se olha no seu espelho-reflexo e que tudo o que vê é a si em suas costas. A imagem é invertida, vê apenas seu verso, nós o anverso. Ele sabe que sou eu e eu sou ele enquanto o observo. A sua existência é por saber eu que em algum lugar ele é ele e por saber ele que em algum lugar nada é além dele mesmo. Eu sou seu deus-princípio-lógico e ele minha criatura, mas sem ele eu não sou pois não há quem me haja pensado-duvidado; ele existe para além de mim e sempre.


terça-feira, 10 de maio de 2011

Tantrismo ocidental? Pura ilusão.


Parece que pela convivência, por ter-se enfim a oportunidade de viver na e da intimidade, os mais atrozes sentimentos - o nojo, a raiva, o amor - afloram e misturam-se nesse espaço em comum que é o oîkos (família, casa). Bebo dessa oikonomía! O melhor é ser ente orgiático! orgia de Lâmia em lambança e libido em loucura. Embebedo-me em lamúrias.

Rapaz, diz Lâmia, está na ora de comer! Começarei pelo teu falo adentro em minha boca... Mas que coisa, gosto péssimo para algo tão pequeno... instala-se o complexo: medo do falo alheio! Sacrilégio da carne à terra, pensar em sacrilégio este falo perfeito. Adentra minha boca, e faz-se da mais cavalar maneira, comendo, então, a criança em Canaã e em Micenos. Os braços abertos, cabeça curvada, coluna em "c" e relinchos e grunhidos e regozijos animalescamente bem vindos à casa profana do seio metricamente moral.

E o adulto-criança, a de ânus ao sol e céu sobre os anos correntes, sôlta e contraceptiva, à moda da plebe escondeiriça, reclama e reclama e critica e fere. Culpar-me? para quê, sou deus em mim - meu ego: infla, infla, infla! Qual tamanho ego é este, pom, pom, pom, bate o som escrotal ao chão; se não o tem, deixa Lâmia aflorar, devora-o! Ah, queria a maior luz anelar da maior e perfeita criança fetal. No seio da ignorância, o velho esculpe os nossos velhos em tramas. Os monstros abomináveis que tentarei a todo custo evitar serei eu em logo sempre mais. Pífia tentativa, para pútrida casa ferida.

domingo, 1 de maio de 2011

Lékkere wijven: o pensamento machista


Para ti, minha querida, somente a dor. Esta dor crua e cruel e cruciante. Não venhas, então, me dizer todas essas besteiras - delas não quero conhecer! Não lha entrego [a dor] como quem quer mal, que isto fique muito claro; sempre como alguém cujas chances de mudança são tão ínfimas, pífias, que de nada adiantaria querer.

Complemento ainda, com esta bela e infeliz sentença: "Tu em tuas chamas cegas não foste capaz de antevir este incidente que agora to digo. Creio que ao passo em que tu foste fraca e a mim cedeste, foste nada mais que uma mulher estúpida e lasciva. Aproveita tua chance, antes que esta dor venha e esta criança nasça, tira-te a vida... será tanto melhor! Para ser sincero, eu ta condeno à morte, morte por adestramento!"