quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Pastoreio (Epimeteu, o advogado)


Às margens da ribanceira, lavada em prata escaldante, um grito agitava o gramado esquecido, calado pelo ouvido surdo de um velho advogado. Nem sempre este infeliz fora mouco, às vezes ele só fora cego, portanto apenas para ouvir capacitado. Mas, neste troca-troca trepidante, o lamuriante homem-das-leis rastejou em seus pés tortos por uma jornada sem fim, até alcançar, um dia, sua morte. Neste meio tempo, apenas meias verdades com suas quase mentiras e nada de grande e pujante. Pois só este ilustre ignorante poderia achar um fio qualquer de graça na ribanceira sem sons e nestes sem aqueles. Talvez não fosse o burocrata o culpado: o problema estava na relva, de fato. Mas quem sabe o que acontece no final? Mais um coitado, em mono-cores, lavado de cloro e de pano, vai para o tribunal.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Desembaraço - "J. & M." 02


M. não estava jogando limpo consigo própria. Ela agora estava no quarto, novamente com aquele pseudo-estranho. Já era a terceira vez que se viam. No fundo, ela já sabia que tudo aquilo tinha um inconveniente - e, justamente por isso, levantava a sua guarda como jamais fizera! Media sua presa com movimentos mansos, pesados por amargos tons de arrependimento. M. Sabia o que fazia.

Assim, M. pensara: "Há um pequeno problema no modo como eu "cumpro" este sentimento. Sim, mas é claro que eu apenas "cumpro" o sentimento; não posso deixá-lo realmente aparecer e imperar... Talvez seja mais um desses meus medos... Medo de saber com certeza o que se quer - o que eu quero. Bem, medo de revelar-me o que é e não pode não ser. Eu não sei, mais... J., J., J.! Desse jeito eu só faço com que seja impossível não pensar no caso - e, por isso, penso tanto que não chego a sair do campo da racionalidade. Embora eu tenha todos os meus medos comigo, controlo muito bem os meus sentimentos - sempre ponderando as dificuldades deles advindas."

E M. deitara-se na cama. Ao fazer isso, ainda não completamente absorta por toda a atmosfera crescente, continuou seus devaneios: "Não é como se eu estivesse na cama, deitada com um estranho. Eu já o conheço bem; mas sei que não posso sustentar esta situação - que de tão fácil, mais e mais difícil fica!" Ela o havia beijado na testa e olhava-o (fixamente) por um tempo: "como é fácil jogar com ele: homem tão debilitado por sua sensibilidade... Devo rir, talvez, pois estou deitado com uma mulher! Não... Não é bem isso... Fora justamente esta sua doçura que me fizera interessar-me por ele; e... apaixonar-me, também! Oh! Mas eu não podia pensar assim... Não posso dar o braço a torcer para tudo o que eu sinto! Eu sei bem o que eu faço! Isto eu não posso!"

Mas isto, M. já fizera. Olhava-o, agora, por mais tempo do que esperava fazê-lo - e com outra abertura para o que sentia. Tinha aquele pequeno sorriso de uma só ponta e seus olhos estavam caídos, mas sorridentes. Em um típico lampejo de confissão e culpa. Pensou, então: "Vou virar-me, na cama. Isto! Devo dormir!" E então, M. falou: "J., você quer água?" E olhava-o, agora, mais atentamente. Só queria mais uma vez ouvir a sua voz; tranquila, grave. Assim feito, mesmo antes de uma resposta, ela levantou-se (e, claro, sabia bem o que fazia). Estava nua e andava suavemente tensa. Pegou a garrafa, que ao bater no copo fez aquele característico barulho de vidro, e voltou quase dançando.

Agora era a hora de dizer algo como 'deves ir...'. Entregou-lhe a garrafa; no que ele a olhou e ela pensou: "Agora eu me condeno. Assumo minha culpa! Sei que estou feliz com este rosto, estou bem! Eu sempre soube o que fazia! Condeno-me ao prazer deste momento!"


sábado, 17 de novembro de 2012

Embaraço - "J. & M." 01


J. pensou: "Imagine, pois, que estou eu cá em um quarto; claro, não estou sozinho e espero quase inquietamente quieto por uma coisa que pode bem não dar certo. Estou plenamente convicto de que não foi a coisa mais inteligente a se fazer - muito embora tenha me parecido assim na hora... Não tenho certeza de que está tudo bem para ela, talvez ela esteja em saia curta, mas não posso, ainda afirmar o que acontecerá. Falaram de mim agora a pouco, estou confuso e não sei o que devo fazer... Não gostaria que nada de ruim lhe acontecesse, mas como é difícil que não... Situação completamente estranha: devo me comparar a um inseto e, sem medo de meu desejo, subir na parede e disfarçar-me de quadro ou mobília? Disse-lhe que a situação não era nada estranha, que era, muito pelo contrário, completamente normal; claro, menti! Novamente, não quero que nada de ruim aconteça; afinal, tenho certos sentimentos por ela... Não posso negar... Doce, doce, M. - linda menina. Fico, portanto, sentado, esperando inconscientemente que nada aconteça; ao menos nada de mal - não é isso, de fato, o que eu quero. Mas havia mais cedo pensado em fazê-la apaixonar-se por mim. Obviamente, devo dizer, eu é que sou aqui o fantoche, sei bem disso."

J. faz um movimento e escuta, então, palavras incertas, e preso em seu pensamento continua: "Acho que agora fudeu, caíram as moedas de meu bolso; ela disse que foi outra pessoa... Triste, triste acontecimento! Espero que eles ainda possam se falar! Mas é tão difícil esta comunicação à distância. Ela continua com ele, eu estou aqui e seu amor lá - onde ninguém pode ver, senão ela (ora em seus sonhos, ora em meu rosto). Apesar de tudo ainda estou aqui... E como é estranho - embora eu tenha lhe dito que não! Que não seria... Pois é, menti... Na verdade só não havia pensado o quão complicado poderia ser... Um quarto bonito, iluminado por luzes fracas e deveras calmo... Obviamente, não fosse a minha agonia pelo término daquele momento lento, estaria tudo ótimo. Pois pense que estou eu com minha melhor roupa, como o amante que não deveria ser... E se sinto tons flagrantes de desconfiança, é muito provável que venham apenas de minha imaginação - pesada, cansada, saturada de esperar um pouco de amor também para mim!"

Eles ainda falam ao telefone e J. continua a pensar: "Ao final tudo corre bem. Claro, isto ainda é um pensamento, não posso estar certo, convicto como sou de mim mesmo, sobre que coisas que de mim não dependem. Que na verdade não são mais do que espelhos de minha própria agonia, ou seja, que dependem unicamente de mim. E quando ela é perguntada 'ele está aí, não é?', eu só escuto tristeza... Claro, já disse, não quero isso para ela... Acho que acabei de desarrumar a primeira relação sincera que tive em toda a minha vida. E a culpa não pode ser minha! Eu estava certo! Não estava? Será que eu não poderia ter relutado um pouco mais? Será que não fui eu quem causou todo este embaraço? Por que eu não consigo me convencer de que sou apenas a vítima? Antes eu estava feliz; agora, embora ainda esteja, estou culpado. Ela está aos prantos, sentada..."

M. então levanta-se e me olha triste. A ligação acabara. Sentou a cabeça em meu colo e chorou... Não queria vê-la assim, mas sou responsável pelo incidente. Assumo minha culpa; retiro-me e condeno-me ao fim da felicidade. Condeno-me ao fim da felicidade!

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Genau: Hermes ao ouvido



Boatos andam soltos... Eles falam direto o que não tenho coragem de ouvir. Contam-me todo o tempo, antes de dormir, as mais pavorosas mentiras - quando não veem de mim. Mas se são boatos que me recuso a escutar, por serem meus - ainda que apenas na ideia -, então são verdadeiros e fatais. Boatos andam soltos... Revelam-me que não são tão fortes as convicções que me fiz ter. Relatam os meus sentimentos como uma paródia e me expõem ao ridículo. Estes boatos não são meus; eles são "eu mesmo", depois de uma noite gostosa, quando o travesseiro martela minha cabeça - fazendo-a pesar e não dormir. Boatos andam soltos em mim - e me circulam.