segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Mil Leguas Intrasubjuntivas


A minha avó fora uma pessoa de grande cultura. Quando eu tive o prazer de conhecê-la, ela já era idosa, mas não demais. Lembro das inúmeras vezes em que sentara naquele tão gostoso sofá, já um pouco mofado, como todas as suas coisas mais amáveis. Lembro de quantas vezes fui obrigado por mim e por ela a ler a Bíblia, o Tesouro da juventude (em seus mais variados e empoleirados volumes), as viagens de guliver, as mil leguas submarinas. Não existiu momento melhor para aprender o que era bom, ruim e indefinível. As mais elegantes estórias eram alcançadas naquele delicioso sofá velho, na caminha colocada ao lado de sua enorme cama king size, aonde meu avô lia o seu livrinho e, logo antes de dormir, rezávamos porque o Papai que está nos Céus iria nos velar por mais uma ótima noite de sono e uma venturosa manhã seguinte.

Na casa dela não havia espaço para o que não fosse perfeito. era tudo uma mistura de misticismo com santidade. Era o belo no velho. Eu amava. Amava minha avó e meu avô. Amo ainda suas memórias, agora que jazem em seus túmulos aquele tão especial pó da lembrança. Era ótimo ouvir Bach, Chopin, Mozart, Pergolesi e companhia em seu caríssimo e importado piano branco. Acho que era alemão ou austríaco, apesar de hoje já não fazer diferença. O piano está perdido, salvo por caríssimas recordações de nossas viagens pelo bucólico Dó e Lá de suas notas, quando dos meus primos queridos ao meu lado. A nota mais grossa era sempre a minha melhor amiga. A rigidez... também.

Com ela eu aprendi a valorizar o belo. Um curso intensivo de estética! (risos). Se existiu um príncipe iluminista, não devo ter ficado muito longe de toda sua polidez e etiqueta. Mais importante, aquela velhinha querida ensinou-me um grande advento: comei, depois levantai. Junto com meus pais, que dos melhores sempre foram, aprendi a dar valor às coisas. Sopram os ventos da felicidade e deixam este querido e divertido perfume no ar: nostalgia. Claro, sem arrependimentos e sem obsessão. Não há de se viver do passado, mas como é gostoso sentir seu gosto na pontinha da língua.

Foi com vovó que aprendi as melodias, os versos e as fábulas. O dicionário virou grande companheiro. Já mais velho falam-me o quanto lembro o seu pai, meu bisavô. Sei bem que é e não é verdade. Já neste começo de ano tive uma grande oportunidade de rever esses meus sentimentos, de trazer a tona essas memórias, gostosas e quentinhas. As Fábulas de Esopo foram meu grande portal. Como hoje é tudo diferente. Acabou-se, ou no mínimo alterou-se, aquela ética toda, se tão rígida, se bem trabalhada na família, tão salutar. Vovó ensinara-me uma grande lição: não reclame, mude, aja. Foi isso que eu vi no livro desse grego.[1] Isso, por alguma razão desconhecida, e como que por ligação direta em um carro, quando os dois fios são tocados e despertam algo muito maior (o carro), fez-me lembrar que o importante é o sentimento. E como dele eu estava afastado.


[1]"A Boy Bathing": A boy bathing in a river was in danger of being drowned. He called out to a traveller, passing by, for help. The traveller, instead of holding out a helping hand, sttod by unconcernedly, and scolded the boy for his imprudence. "Oh, sir!" cried the youth, "pray help me now, and scold me afterwards".
Counsel, without help, is useless.

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