terça-feira, 29 de março de 2011

A Poltrona


Em uma sala há muito olvidada, repleta de odores e cores desbotadas, rachaduras úmidas e objetos sem memórias, relegados  ao jugo das intempéries; havia uma criatura prostrada numa poltrona multicor

De tudo a se ver na sala, a criatura era sem dúvida; o aspecto mais abatido e desprezível. 
O encosto da cadeira causava chagas por todo seu dorso. Enquanto isso, o painel de vidro obscurecido de seu paranoico relógio não o permitia certeza da posição dos ponteiros.

Dele emanava o rítmico lembrete, que impunha um desafio às suas dores e a sua paciência.
A fuligem ou os fungos o impediam de determinar o momento do dia. A sala era tão fétida e obscura, as janelas vedadas por desconfiança das crianças irritantes das redondezas. Talvez a incerteza ao fitar o relógio, fosse só de seus velhos olhos, quiçá fosse efeito do álcool misturado com sua excessiva medicação.

A hipocondria era comum à sua idade, mas o ócio o envelhecera muito antes de seu tempo -
O menor incômodo o levava a imaginar as mais pavorosas condições médicas possíveis.
Segundo seus cálculos, e pelo silêncio mórbido circundante, deveriam ser umas três da manhã.
A fadiga já lhe alcançara há muito e prestava testemunho à mesma conclusão.
Se realmente fossemos o julgar imparcialmente : É impossível recordar-se de uma era quando fora minimamente energético ou industrioso.

-Moveu-se! Como num último ato de coragem de um animal que tenta fugir das garras de seu algoz! Porém não fora exatamente um movimento voluntário, mas sim de amargura.
O estofado da poltrona cedera mais um pouco, e outra mola enrustida o lembrara de suas feridas.
A agonia era como uma picada de escorpião. Espalhava-se pelo corpo, e a contorção o causara ainda mais sofrimento.

Moveu-se para acomodar-se, para evitar aquele foco de dor e esperar o próximo.

Então cedeu as divagações. Pensamentos cinzentos subjugaram-no. A dor abrira os pórticos das incertezas, e agora sua alma ardia ( isto é, se um ser como ele tiver uma). De sua essência restava a fuligem do que fora até então sua existência.

Mentiria se o chamasse de homem. Não era um homem, jamais fora.
- Era a Hidra de Lerna em um antropomórfico  invólucro. Durante seus dias tivera diversas faces, que iam sendo ceifadas, dando lugar para diversos outros enigmas. Não era um homem, fora todos os homens, fora tudo aquilo que era vil, e para cada situação que o universo o arremessara, mostrava um semblante diferente. Desde o mais belo e inocente, ao mais pútrido e ácido.

Não ousaria acusá-lo de falsidade; pois, a todo instante tivera sido totalmente congruente com a máscara que trajara.

A sua presente forma física dificultava sua respiração, que era ofegante e ruidosa. Sabia muito bem do fim de seu percurso, mas não havia mais remissão...

Indagava-se – Como teria chegado a este ponto? Onde repousa a beleza de outrora, dos dias de Sol?  O movimento em sua vida, porque cedeu a inércia? Houvera ao menos resistido ?

Um comentário:

  1. Caio, meu velho, o que é a condição humana?!

    O herói tentou dar um fim na fera, mas os homens assimilaram o que de mal o filho de Zeus não pôde extinguir! Ao final, morte aos seus três filhos, morte aos céus e morte aos homens! ...

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