domingo, 13 de janeiro de 2013

Anátomo-grafologia


Em um canto de uma mesa redonda, aberto, porém não escancarado - se isso é possível de alguma forma, sem que mãos o segurem -, estava um livro qualquer que um anônimo leitor esquecera. Ele era marrom e pequeno: mas junto de outros livros de mesma cor [i.e., marrons] dir-se-ia  que puxava para o verde, enquanto já ao lado destes, ao amarelo (fato, entretanto, que faz necessário dizê-lo marrom, ou não?). De seu tamanho, embora pequeno, nada muito importante, senão comentar sobre sua pequenez junto ao outro que lhe fazia companhia; mas maior que a mão do leitor aventurado neste texto. Aliás, quem era, afinal, esta pessoa misteriosa? deve-se pensar a princípio que isto não vem ao caso, em razão de seu anonimato; entretanto, estaria ali o livro se não fosse por ele? Estaria uma página deste antigo artefato manchada de suor se não o tivessem tocado e manuseado? E por que não dizer: existiria um livro se não houvesse quem o lesse? Nem mesmo hipoteticamente isto seria possível - enquanto fosse um livro este "livro". O que se escrevera nele, contudo, era um mistério completo: não só devido ao seu banal esquecimento, mas acima de tudo por não mais ser possível lê-lo como escrito, senão como lido. E é por isso que as resenhas sempre dizem algo tão comum... Algo evidentemente refletido na ignorância do normal... Algo tão vulgar e meticulosamente desmedido como "esta é a história de um rapaz...". Não é para menos que Poe, como um corvo - com seus olhos pretos e cabelos poucos - dissera repetidamente ao leitor "nevermore" ("nunca mais"). Um evidente descaso ao senso estufado do porco que diz entender o livro "nas palavras do autor". O fato é que no canto da mesa redonda estava um livro aberto, em algum tom próximo do marrom, com uma das páginas manchadas de suor, abandonado, esquecido ou propositalmente largado por um leitor anônimo, cujo interior imediatamente visível grafava em tinta escura uma frase nem um pouco simples de engolir - ainda que toda [frase] seja fácil de compor. E assim era apenas:

"Leia-me como a ti for possível!"

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