domingo, 15 de maio de 2011

A história de um quadro: ou num menino há um menino.


O quadro encontra-se acima da cabeceira, ao lado da cama e próximo à janela. Nele existe pintado um garoto em tom de pele claro. O menino está de certo modo que apenas o seu rosto pode aparecer junto com um pequeníssimo pedaço de seu pescoço ao canto inferior direito de quem o olha, simbolizando o pedaço superior esquerdo do referido pescoço. Abaixo de si uma mesa vermelha, em cor viva e lúcida, sobre a qual uma pêra alaranjada projetando sua sobra ao lado contrário ao do garoto altera o rubro-sague em rubro-velho. Esta tábua esconde o seu queixo, o que nos faz apenas poder imaginar.

Atrás aparece uma região de montanhas em tons azuis, já o gramado antes delas é verde, mas um pouco desbotado, como tudo que não deveria estar imediatamente no cerne. O céu, que começa logo acima das cordilheiras em luz quase branca, vai escurecendo até assumir um tom celestial. Entre o rosto da criança e a paisagem ao fundo, uma evanescente mistura que realiza uma espécie de fraca simbiose, mais como o efeito de quem tem astigmatismo que qualquer outra coisa.

Seus olhos são escuros, castanhos, e enormes, como querendo apropriar-se de tudo o que vislumbra a sua frente. Em seu nariz, muito afilado, corre uma pequena linha clara, dá-se um espaço e termina com um ponto logo na região de ponta, desenhando algo que parece uma exclamação: isto é o efeito da luz em sua pele. Sua boca está quase em bico, mas não muito contraída, o que representa certa serenidade. Seu cabelo, muito liso, é levemente dividido no meio, mas escondido no cume por um belo panamá ora bege ora rosa: mas sempre com a fita preta acima da aba.

A contemplação que parece estar o infante é antes de tudo por saber que se olha no seu espelho-reflexo e que tudo o que vê é a si em suas costas. A imagem é invertida, vê apenas seu verso, nós o anverso. Ele sabe que sou eu e eu sou ele enquanto o observo. A sua existência é por saber eu que em algum lugar ele é ele e por saber ele que em algum lugar nada é além dele mesmo. Eu sou seu deus-princípio-lógico e ele minha criatura, mas sem ele eu não sou pois não há quem me haja pensado-duvidado; ele existe para além de mim e sempre.


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